quinta-feira, 25 de abril de 2013


Toinho tinha uma bicicleta. Não sei de quem ganhou: da mãe, do pai ou da madrinha. Só sei que ele tinha. Tinha e vivia por ali, subindo e descendo, indo e vindo, correndo e pedalando. Era dele. Eu gostava de ver e pensava em andar naquela bicicleta. Não sei se às vezes emprestava para alguém, deixava dar uma voltinha. Nunca pedi, nem vi, por isso não sei.

Um dia Toinho alardeou que ia vender a bicicleta. Botei olho grande e desejei. Imaginei-me dono e legítimo possuidor da magrela. Imaginei-me indo e vindo, subindo e descendo, correndo e pedalando. Falei pro meu pai comprar aquela bicicleta. Ele disse, não! não vou comprar. Dei um tempo, não insisti, talvez ele mudasse de ideia. Que nada.

Naquela época o mercado já vivia dias de concorrência acirrada. Por isso, quando voltei ao assunto, meu pai retrucou: nada de bicicleta! Vou comprar uma sanfona. Putz! Um conhecido do meu pai, que tinha uma sanfona de 80baixos (daquela bem grandona, tipo profissa) também botou placa dizendo: Vende-se uma sanfona. Foi o fim!

Sanfona? Como assim? Não houve tempo para a resposta. No dia seguinte, eis-me sentado numa cadeira tentando segurar aquele bicho pesado. Um lado da sanfona sobre a perna esquerda e o outro pendurado, quase batendo no chão. Era pra eu tocar?!. Tentei!!. Puxava para cima o lado dos baixos e, de tão pesado, deixava cair. Segurava com força o lado direito, o lado do teclado. Em pouco tempo fui apertando as teclas, foi saindo som e loguinho loguinho saiu parabéns pra você.

Tem futuro. Vai tocar. Vou tocar. Tenho futuro. Soletrei outros pedaços de música  e, de repente, já estava eu tocando uma música da igreja. Só do lado direito da sanfona, do lado melodia. Do outro lado eu não conseguia nada, apesar de ser canhoto, por causa do peso. 

A música dizia assim:

Andei tão longe do Senhor, assim eu quis andar. 
Até que encontrei o amor em seu bondoso olhar.
Seu maravilhoso olhar, seu maravilhoso olhar.
Transformou meu ser e todo o meu viver. Seu maravilhoso olhar...

Facilzinha de tocar. Melodia simples. Em casa todo mundo dizia: toca aquela. E aquela de novo. Que tal tocar outra... aquela. Aquela ficou batizada de "vivi tão longe". Toca vivi tão longe.. toca vivi tão longe... não havia outro pedido. De fato, eu vivia tão longe da bicicleta, era de dar dó. Meu pai sonhava com um Sivuca e eu sonhando com o Lance, vivendo tão longe... da minha bicicletinha. Ai meu Deus!.

Pronto. Estava acertado. No fim de semana iríamos pra casa do meu avô. Perto dali iria acontecer um culto. Eu iria tocar e a minha irmã iria cantar. Decidido. Meu pai, minha mãe e as outras irmãs estariam lá para assistir a Edson e Edna - a dupla! Foi assim. Chegamos a fazer duas apresentações. E foi só. Era bonitinho, os filhos da irmã Cleonice e de Seu Heleno tocando. Que fofo! Era bonitinho e desafinadinho e ruinzinho e todos os outros inhos. Mas era fofo, o que valia.

Que fofo que nada! Eu morria de vergonha e de cansaço. Aquilo era pesado demais. Eu não conseguia nem ficar de pé. Seria muito melhor ter uma bicicleta. Meu Senhor com seu maravilhoso olhar, me ajude a ter uma bicicleta. Cadê a minha bicicleta. Eu não tinha bicicleta, eu tinha uma sanfona. Será que era porque eu tinha andado longe do Senhor? Por que em vez de transformar o meu ser, o Senhor não transformou o ser do meu pai para ele me dar uma bicicleta? Não adiantava perguntar.

Esperei. Desisti da sanfona e nem lembro do que foi feito dela. Algum tempo depois ganhei uma bicicleta. Meu pai alegou, e eu concordei com ele, que não tinha comprado aquela outra porque era pequena demais pra mim. Logo, logo, ela estaria perdida porque eu iria crescer. Sério? Eu iria crescer? Jura? Que nada! Eu era pequenininho e franzino. Minhas duas irmãs eram mais novas e mais altas. Certamente mais bonitas, mais inteligentes, mais tudo. Eu era aquela coisinha minguada. Uma vez meu pai chegou a comentar: a quem puxou esse menino? Anão desse jeito!

Meu Deus! Será que sou anão? Não. Não sou anão. Anão é pequeno e tem a bunda empinada. Eu não tinha bunda, era magro feito um palito, a galera até tirava onda me chamando de tabica. Era pequeno, beleza. Mas não tinha bunda empinada, não poderia ser anão. Que alívio! Quero crescer. Pai, o que faço pra eu crescer? Quer crescer? Vou dar um jeito. Torou um pedaço de pau, acho que um cabo de enxada ou de picareta, pregou numa porta, de um lado a outro e disse: Se quiser crescer, fique pendurado aí. 

Eu não queria mais bicicleta. Eu queria era ficar pendurado e crescer. Doía os braços. Eu quero crescer, tenho que ficar pendurado. Ficando pendurado eu cresço. Não pensava em outra coisa senão ficar pendurado e crescer. Ganhei a bicicleta. Uma bicicleta grande. Talvez para me estimular a crescer. Eu quase não conseguia subir na magrela, mas eu tinha uma bicicleta. Pronto. 

Agora eu andava perto do Senhor. O Senhor tinha transformado meu pai, tinha transformado a mim e transformado o mundo. Eu estava contentão! Eu tinha uma bicicleta. Encontrei o amor em seu bondoso olhar, enfim. Um dia, andando por ali, nem tão longe de casa, fui atropelado por um caminhão. Meu Deus! Lá estava eu, outra vez, longe do Senhor. Quem anda perto do Senhor não é atropelado por um caminhão. Será que foi castigo? Valha-me Deus! Se eu estivesse sentadinho... tocando sanfona... não teria sido atropelado. Caraca!

Cheguei em casa com a bicicleta toda estrupiada. A roda quase quadrada, minhas canelas sangrando. A bicicleta ficou parada por uns quatro meses. Eu tinha medo de andar de novo e acontecer outra tragédia. Eu precisava ficar perto do Senhor, nada de andar de bicicleta. Cresci. Mas foi muito tempo depois, só quando comecei a jogar futebol. Meu pai esqueceu o Sivuca, eu esqueci o lance de ser o Lance e agora eu queria ser o Rivelino ou o Djalma Santos. Jogaria no Palmeiras. Meu pai falou. Tá falado! Assim será!

O tempo passou. A vida é assim, passa como um pisca-pisca, segundo a Emília.* Piscou e foi sanfona! Piscou e foi bicicleta! Piscou e foi futebol! Piscou e hoje é carro e bicicleta e vôlei, sem a menor pretensão de ser um Giba. Parou de piscar e se foi o  autor e mentor destas proezas, vítima de um assalto, há 24anos.

Tudo vai piscando e eu me ponho a lembrar e a escrever. Lembrar dele e destas coisas que vivemos juntos me bate um banzo danado. Mas ninguém morre de banzo. Digo de mim o que já disse um poeta "...se não morreu de banzo na vida, talvez morra de amor na morte..." Eis a esperança! Virou hipótese!


*A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, Senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama. Pisca e anda. Pisca e brinca. Pisca e estuda. Pisca e ama. Pisca e cria filhos. Pisca e geme os reumatismos. Por fim, pisca pela ultima vez e morre.
- E depois que morre? perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?
- É.
                                                Memórias de Emília - Monteiro Lobato


Eu e Edna - Eu e Edna
Seu Heleno - Dona Cleonice e Eu

Sivuca - Eu - Giba
Roberto Rivelino - Lance Armstrong - Djalma Santos











domingo, 24 de março de 2013

Eu, Pedro, Ana e Salomão


Em parte concordo com o Mílton, quando canta Canção da América, falando de amigo. Legal guardar dentro do coração e no lado esquerdo do peito, Quanto a isso, estamos juntos. Mas eu não gosto da ideia de "guardar debaixo de sete chaves". Ainda que "sete" seja, biblicamente, o número da perfeição, prefiro abrir mão dessa perfeição-segurança das chaves e dizer que na minha opinião amigo é coisa para alardear, falar, dizer e gritar aos quatro ventos. Por isso, entendam este texto como grito e alarde!!!

Pois bem. Um dia, através de Andrea Monte, fui apresentado a Ana Paula. Através de Ana Paula, fui apresentado a Pedro Henrique. A gente se encontrou, conversou e selou uma amizade tão grande, que pode ser definida através das palavras do sábio Salomão. Em O Livro de Provérbios ele diz, que "...há amigos mais chegados do que um irmão" e  "...em todo tempo ama o amigo e na angústia nasce um irmão". Dito isto e fim, Já seria o bastante!. Mas Salomão avança um pouco mais e diz também que "a boca fala daquilo que o coração está cheio". É por isso, de coração e boca cheios, que vou falar mais sobre eles. 

Pedro Henrique e Ana Paula são meus amigos-queridos-companheiros-de-vagem. Fazemos um trio de dar medo. Dar medo porque qualquer porta aberta que se colocar à nossa frente, a gente ultrapassa e vai embora, pra qualquer canto do mundo. E quando resolvemos ir, só tem dia pra sair e não tem dia nem hora pra voltar. Não há mala pesada que nos impeça, não há aeroporto que não nos ofereça voo, não há barreira linguística que nos impossibilite, não há imigração e segurança de cara feia que nos faça dar um passo atrás. A gente vai, e pronto!

Já demos algumas voltas por este mundão que começa no Recife.  Já fizemos roteiro junto e roteiro separado. Quando o programa é de interesse comum (fotografia, música, teatro, museu...) estamos juntos. Quando o programa é de interesse individual (futebol e cemitério, risos...) estamos separados. Não há noia, não há dependência nem cobrança. A gente se ama assim, desse jeito. Por isso, a gente já rodou por aí e já viu muita coisa: o Papa e a Rainha, o Sena e o Elba, o Louvre e o o Prado, o Vaticano e a Torre, o Champs e o Père, a Sagrada Família e o Moulin, o Coliseo e a Plaza Mayor, só pra economizar na relação.

Da última vez, tivemos o (des)prazer de conhecer o "pior mosqueiro" do mundo. Mundiçar é turistar, risos. Foi assim: Chegamos em NY. Pedro e Ana fizeram check-in no seu hotel (às vezes ficamos em hoteis diferentes), aterrissaram as malas e resolveram ir comigo ao hotel que eu havia reservado. A ideia era deixarmos no hotel a minha mala e de lá sairmos para dominar as 5ª, a 6ª e 7ª avenidas, incluindo Broadway, adjacências e tudo o mais que houvesse num raio de 7mil quilômetros. Quem é que vai para NY para ficar em quarto de hotel, dormir e descansar? Alguém. Não nós! 

Chegando lá, não havia hotel. Havia um holliday (aquele meu vizinho, lá pros lados de boa viagem) exponencialmente piorado. O ambiente da entrada, que seria hall ou recepção, era a antessala do inferno. Recebi uma chave com a recomendação de dar uma olhada no quarto e, "se fosse do meu agrado, eu faria o check-in". Subimos, meioquaseamedrontados com a aparência do ambiente e fomos ver o quarto 307. Quarto? Como assim? Havia uma cama estreita e quinze centímetros para se locomover, não mais. Não havia guarda-roupa ou qualquer outro móvel e o banheiro estava em estado de putrefação e nojo extremos. Óbvio, Impossível ficar.

Saímos dali de olhos arregalados! Ana me olhava e dizia: Ei... ei... olha pra mim... relaxa... a gente vai achar um lugar, dá-se um jeito, desencana, fica bem! Eu continuava de olho arregalado. Onde é que eu iria aterrissar a minha burrinha? Pedro falou, decidido: vamos comer alguma coisa, depois voltamos pro hotel onde eu e Ana estamos, a gente entra na internet e arranja outro lugar. Claro que me preocupei. Era quase o dia seguinte, a noite estava fria e eu ainda não tinha um lugar para ficar, descansar, dormir.

Assim foi. Comemos pizza. Voltamos ao hotel de Pedro e Ana. Plugamos a net. Fizemos uma nova reserva. Eles foram comigo e só me deixaram depois que eu já estava instalado, check-in feito, e agora com um lugar onde poderia ficar e dormir, enfim. Saíram, e só agora vão saber, eu chorei. Não apenas um choro de alívio, porque de alguma forma tudo se resolve,  mas chorei um choro agradecido porque eles existem, porque eu os tenho amigos e os considero irmãos.

E para colorir a mensagem, aí vão algumas fotos do trioshowdebolapipocodedjá!!!

Godiva da Macy's em NY

TVG indo Paris para Frankfurt

Empire State Building - NY

Dormindo, dãããã, no TGV.

Buenos Aires, num restaurante, sabe Deus onde-2010 ou 2011???

Arrastando malas em Berlin na neve! Dose!!!2013

Os encapuzados do frio no hotel em Chicago-2013

Dois maloqueiros no Parque Güell em Barcelona-2011

Pedro

Os Maloqueiros cansados depois de uma subida no Parque Güell-2011

Sentados na calçada, fugindo dos fumantes em Madri em 2009

Lindos!!!!

Madri-2009

Enchendo o bucho em Washington, no mercado público.2013

No metrô de NY-2013

Reflexo no "feijão" em Chicago-2013

Olha o "feijão" aí de novo-2013

Na ponte do Brooklyn - NY. Frio da cebola! 2013

Malabaristas na ponte do Brooklyn.2013

Cais no pé da ponte do Brooklyn em 2013

No Portão de Brandemburgo, Berlin- 2013.

Os lindos maloqueiros no Monumento a Lincoln - 2013

quinta-feira, 14 de março de 2013

Tereza de Berlim

"Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, porque cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra. Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, mais não vai sozinho, nem nos deixa só. Leva um pouco de nós mesmos e nos deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada, há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada. Esta é mais uma bela responsabilidade de nossa vida, a prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso" (A.Mattos Soché)

Não por acaso ela se aproximou e embora tenha chegado sozinha, porque é única, deixou um monte de si mesma impregnado no meu coração, agradecido por sua impagável disponibilidade por me\nos conduzir por Berlim. Conduzindo-nos, fez-nos sentir menos nômades e forasteiros, foi tradutora, guia e companheira, mostrando-nos bairros e bares (inclusive um bar brasileiro, onde ouvimos Caetano e Sampa, dentre outras brasilidades), sugerindo roteiros e dando dicas valiosas sobre o que ver em Berlim.

Ela se chama-se Tereza. E por se chamar Tereza, já começa rimando com leveza e nobreza e beleza, dentre tantas outras possibilidades. Refiro-me à Tereza de Berlim (brasileiríssima do clã Cunha Lima), companhia agradável, sorriso franco, cabelo ao vento, passos firmes e seguros, olhar no olho, de alma leve, nobre, bela. 

Refiro-me à Tereza de Berlim: aquela que  usa a bike como meio de transporte; aquela que dança; aquela que faz Ioga; aquela que riu a ponto de se contorcer quando eu reclamei do calor em Berlim; aquela que batizou a minha cerveja enfiando o dedão no copo; aquela que ganhou um tripé de fotógrafo e agora vive a me esnobar;  aquela que carrega uma bolsa do tamanho do mundo; aquela que me transformou em alvo de bolas de neve; aquela que escuta Sophie Hunger, especialmente a música "le vent nous portera" 

Refiro-me à Tereza de Berlim, aquela que inspirou O Dicionário dos Nomes a definir o seu nome com palavras do tipo "Sensibilidade, simpatia, cooperação, diplomacia, receptividade; liberal e simpática; personalidade prestativa; tem sempre a coisa certa a dizer; diplomaticamente, sempre consegue bom entendimento entre os diversos grupos em que se relaciona; capacidade e vontade em cooperar; discreta, prefere ambientes tranquilos para trabalhar...." Fonte: Significado dos Nomes

Refiro-me à Tereza de Berlim, cujo nome inspirou cantores, cantadores e poetas a escreverem e cantarem assim: 


Por fim, refiro-me à Tereza de Berlim, para agradecer, inclusive, porque foi em sua companhia que tive o prazer de conhecer os professores Pablo e Maria Cunha Lima, pós-doctor em Linguística (a versão feminina de Ferdinand de Saussure). 

Obrigado!!! Tereza de Berlim. Presumindo sua autorização, vou postar algumas fotos que tiramos juntos:

Tereza batizou a minha cerveja

Nosotros num bar brasileiro, onde ouvimos Sampa, entre outras

Pose na neve - Tereza no centro do mundo

Tereza exibindo o tripé de fotógrafo que ela ganhou

Pedro, Ana, Maria, Pablo, eu e TEREZA BRINCANDO NA NEVE

A sala da casa de Tereza: varanda, rede e pé de maracujá

Tereza e sua bolsa porta tudo




sexta-feira, 8 de março de 2013

Último Dia em Londres

  No último dia em Londres fizemos o check-out do hotel e fomos matar tempo esperando a hora do voo para Berlim. Pensamos no que fazer e decidimos ir para a London Eye e o passeio de barco. Confiram abaixo as fotos:















Encontramos essa mulher duas vezes em lugares diferentes e distantes entre si em Londres. Sempre cheia de balangandãs e de branco. 

segunda-feira, 4 de março de 2013

A Canga na Roda. Que Praga!


Sabe o que é uma canga? Sabe não? Valha-me Deus! 

Canga é um negócio que se pendura no pescoço da cabra, ou da vaca, ou do cavalo, para ele não conseguir passar pela cerca e ir embora, entendeu? Só não sabe o que é uma canga quem nunca foi num sítio, não criou nem um bicho, ou nunca usou uma canga e, segundo meu amigo Pedro Aragão, brincou de bola de vidro no tapete (olha a foto da canga, lá embaixo).

Então. Eu, Pedro, Ana e Zilda, que Deus a tenha (ela está em Miami, perneando também), estávamos desbravando o mundo em 2009. Alugamos um carro e saímos pela Europa, vagueando. Carro grande para quatro pessoas e seis malas. Quase uma VAN. Eu e Pedro como os motoristas-oficiais-das-duas-damas-chefes-de-estado-da-União-Europeia. E autênticos cavalheiros, lógico. Dirigia eu a 180km e Pedro a 280km (podem dar algum desconto, se quiserem) nos divertindo. Ana e Zilda tremiam de medo, amarelando. Que danado! Pra que foi que fizeram aquela autopistaultrarápida? Bota esse negócio pra correr! E corríamos!

Chegamos em Praga. Ou chegamos a Praga? Valham-me os professores de Português. Fomos ao centro, bem ali ao lado do relógio do sol. Para estacionar o carro, encontramos um lugarzinho bem apertadinho, mal cabia uma bicicleta. Coube-me a sorte de ser o responsável por enfiar o carro naquela brecha, apesar de que ninguém acreditava que fosse possível. Cheguei a ouvir aquela frase-macho-desafio: eu digo que tu és macho se conseguires colocar este carro aí (claro que não foi com este bom português. Ficaria sem graça).  Estufei o peito e...

Botei pra fora a minha carteira de motorista Detran de Caruaru ano 1985 e mostrei pros "pragueanos" e "brasilianos ali boquiabertos" como é que se estaciona um carro grande naquele aperto. Estacionei, e de uma carreada só. Primeira-ré-primeira, e pronto! Sou macho ou não sou? Aplausos e reverências e elogios e babações e apertos de mao e abraços calorosos não faltaram. Viva Edson Luiz!!!

Saímos. Andamos. Tiramos fotos. Conversamos, sorrimos, comemos, cansamos e voltamos. Quando chegamos na brecha, ali onde havíamos deixado o carro, e no afã de mais pernear,  não pudemos sair. Tinham colocado uma canga na roda do carro. O carro não ia pra frente, não pra trás, tampouco pro alto por conta de uma tal de gravidade que inventaram por lá. O carro estava preso. Cangado. Parado. Algo do tipo never move again!

E agora, como diabos é que solta isso? Valha-nos Deus de Praga!

No vidrão da frente, havia um recado (oxente! a CTTU por aqui?) ligar para a Politzei. Carácolis aládius, é proibido estacionar em brecha! E sou eu o responsável! Vou ficar preso aqui por uns trocentos dias ou meses ou anos ou a vida inteira! Vão rasgar meu passaporte! Coitada da minha carteirinha Detran de Caruaru ano 1985! Vão-me meter o chicote, sem pena! Vou apanhar pra fofar (nordestinamente falando)! Eu me sentia um lixo, queria sair correndo, mas não sabia em qual direção. Resolvi esperar, às gargalhadas. Sou um homem ou não sou? Enfrentá-los-ei! mesocliticamente falando.

A Politzei chegou e explicou o porquê de o carro estar preso: aquele lugar era estacionamento exclusivo dos moradores, estava escrito na placa pregada (ou "Pragada") na parede. Ora, por que não escrevero isso em bom portuguêis? Nóis teria lido e entendido e num teria butado o carro aí. Mas que nada, escreveram em tcheco, aquela coisa gutural, feia de ler e de ouvir e de falar e que dá vontade de mandar ir tomar... água, pra limpar a garganta. Pagamos 100euros, tiraram a canga e a gente foi embora, dividindo a conta: 100euros divididos por 4 passageiros = rombo de 25euros. Bom castigo! Quem manda não saber ler em theco? Quem manda botar aquela coisa grande num lugar tão pequeno? Quem manda ter carteira de motorista brasileira e ser capaz daquela proeza? Quem manda botar as rodas onde não deve? Quem manda se deixar encangar? kkk.

A minha veia Zilda quase morreu de medo, mas depois ressuscitou gargalhando de quase morrer. Eu estufei o peito e saí achando que tudo aquilo acontecera por conta da inveja theca diante da minha tamanha habilidade estacionamental: estacionar um carro grande num aperto daqueles? Multa nele! Pedro, agora dirigindo, e Ana, serviço-guia-GPS-ambulante, informando o caminho. Voltamos ao hotel, quarto, cama e sono, aguardando o outro dia que viria, pelas ruas de Praga, em boa companhia, que é a melhor coisa do mundo!

Os quatro batepernas, soltos pelo mundo.

Carro grande pra caber esse tanto de gente e de mala.

Haja espaço e tamanho e mala.

A Canga. A de Praga era toda de ferro. Sem boquinha sem perdão!