quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uma paixão por Veneza


Há tempos eu não me apaixonava. Ultrapassada a barreira-fase dos devaneios, imaginei  ter chegado ao cais da contemplação: lugar em que as emoções se deixam levar à força de ventos bem mais tranquilos. Ao alcançar idade mais madura,  não é nada incomum conviver  melhor com as incertezas, angustiar-se menos com as perguntas, buscar menos respostas e conseguir adormecer melhor, quando a opção for esperar pelo outro dia que virá.


Eis-me, outra vez e agora, enfim, maduramente apaixonado. Acabo de chegar a Veneza e é esta a primeira sensação que me vem. Ao vê-la aproximar-se, é impossível não doer de saudade, não imaginar sua pele, seus lábios e sorriso e desejar, com o mais profundo desejo, entranhar-se em seus braços e sentir seu corpo, como se fosse o óbulo esperado por toda a vida. Estar em Veneza me faz transportar o pensamento e ir ao encontro do sabor dos beijos, abraços e amassos ainda entranhados e colados à pele que não se deixa lavar.



Chegar à praça São Marcos e encontrar aquele previsível turbilhão de gente, faz-me imaginar e perguntar se o mundo inteiro teve a mesma ideia e resolveu vir pra cá, todo, ao mesmo tempo. Encontrar o hotel, neste labirinto de becos e ruelas, não é tarefa fácil. Faz-se necessário perguntar e perguntar porque mapas e roteiros não servem, pois Veneza não é caminho traçado, é caminho a se descobrir, é corpo a se desnudar.



Assim, Veneza aos poucos vai-me permitindo aproximar. Aproximo-me e seus recantos e encantos, tal qual donzela, me esperam observar, chegar mais perto, sentir-lhes o odor, a respiração ofegante, o olhar ainda tímido, ir de lento pondo as mãos, ser minha, enfim. No tempo devido, não mais e não menos. é meu este corpo em que ela se transforma. E o meu corpo, cansado da viagem, agora é seu, pertence-lhe e se deixa possuir.



E não poderia ser diferente. Veneza nos envolve em seus becos, como se fossem braços a nos abraçar e acariciar. As suas curvas de rios nos aconchegam e nos confortam com uma leve sensação de calmaria; é como se o nosso desejo, agora saciado por sua boca, seus lábios e seu corpo inteiro, com todos os seus movimentos, nos transportasse ao cais do descanso, ao porto de chegada.



E Veneza parece mesmo ser apenas porto de chegada, porque não é um lugar para ir; é um lugar para estar. No aconchego de suas ruelas, ou atravessando suas infinitas e pequenas pontes, o tempo nos convida a parar. Aliás, o tempo passa tão suavemente devagar, sugerindo-nos contemplação, que parece personificar o eterno desejo dos amantes e apaixonados quando se encontram: que o tempo pare; que fiquemos assim, juntinhos.



Em Veneza se chega, mas nunca se vai. No entanto, posso antever que ao deixá-la, indo conhecer outros ares, levarei a certeza de que ela me deseja de volta e que eu, ansioso, desejo voltar. Ela ja me espera e, quando eu chegar faremos silêncio, olharemos um pro outro, entrelaçaremos nossos corpos, faremos amor como nunca e apagaremos da memória a eterna espera que foi a nossa separação. 



Por enquanto, deixo-me cair no balanço das gôndolas, desfruto dos biscoitos, chocolates e massas, vou-me inebriando com a variedade de gelattos, vejo Dalí, ouço Ópera e circulo por aí. Mas, geralmente paro e lembro de ti, Veneza, diante das igrejas, monumentos e luzes que cruzam o meu caminho. Nestes momentos tu te materializas, eu te pego a mão e a gente caminha junto, comentando isso, aquilo, achando belo, achando feio, caminhando... enfim... é tanta e tanta a vontade de te rever, que o dia de ir embora, de tão perto, parece que nunca vai chegar.


...
Que não seja imortal, porque a gente não precisa estar colado pra estar junto;
Posto que é chama, em palavras estão dizendo um pro outro o quanto se adoram;
Mas que seja infinito, porque aonde quer que eu vá você está em tudo;
Enquanto dure, pois é tudo o que eu preciso.



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